Tantos
brinquedos e ninguém com quem brincar!...
Um dos
maiores problemas sentidos atualmente pelas nossas crianças prende-se com a
diminuição do tempo de brincadeira e dos momentos de convívio - as famílias são
cada vez menores, as pessoas passam cada vez mais tempo no local de trabalho e
o aumento da violência e da criminalidade fizeram diminuir o contacto e os
jogos de rua com os vizinhos. Embora os brinquedos de que dispõem sejam mais
diversificados e abundantes, as brincadeiras, essenciais
para que as crianças se desenvolvam e construam as suas representações mentais sobre o mundo,
são cada vez mais vividas de forma individual e solitária.
O
ritmo de vida mais agitado a par com a crescente exigência profissional, que
tanto caracterizam os meios urbanos, têm levado a maioria das famílias a
conviverem muito menos com amigos e familiares. Apesar de estas alterações tenham
conduzido a algumas melhorias significativas, os momentos de convívio e
interação social (fundamentais para o bem-estar individual) têm vindo a ser
descurados, facto que se reflete num aumento generalizado do sentimento de
solidão por parte das crianças.
A
solidão tem sido vista como uma experiência negativa, caracterizada por um
sentimento de isolamento e ausência de interações sociais satisfatórias. Esta
condição é fonte de perturbação emocional afetando o funcionamento
psicossocial, a saúde e o bem-estar e provocando um sentimento de tristeza
generalizada.
Quando sentido e vivido durante a infância, o
sentimento de solidão irá repercutir-se ao longo da vida da criança,
refletindo-se nas várias relações que irá experienciando. Frequentemente as
crianças solitárias tendem a tornar-se adultos tímidos e ansiosos, demonstrando
também algumas dificuldades em estabelecer relações empáticas com as pessoas
com que se cruzam no seu dia-a-dia.
Um
dos fatores que mais condiciona a perceção de solidão das crianças é a relação
que estabeleceram com os seus pais – se sentem que têm suporte emocional,
conforto e proximidade com os seus progenitores, é muito menos frequente
viverem os momentos em que não estão acompanhados de forma angustiante. Por
contraponto, quando as crianças sentem que a relação que têm com os seus pais
é vivida com ansiedade ou ambivalência, é
frequente demonstrarem mais sinais de angustia quando são deixadas
sozinhas. Os pais dispõem de menos tempo efetivo para estar com os filhos,
responder às suas questões, brincar com eles e mimá-los. Em muitos dos casos,
segundo um estudo recente, a média de tempo despendida diariamente pelos nossos
pais exclusivamente com os seus filhos é pouco mais de 30 minutos. Sendo estes
a sua figura de referência, principalmente durante os primeiros anos de vida,
esta ausência esta muito associada a níveis elevados de solidão e tristeza
demonstrados por várias crianças e jovens.
A
par com as alterações familiares, também a vida citadina modificou as
brincadeiras das crianças e a sua relação com os seus amiguinhos. As pessoas
passaram a morar em apartamentos ou em casas menores, os jardins diminuíram ou
desapareceram e as ruas tornaram-se perigosas. Os jogos sociais ao
ar livre tais como “as escondidas”, “a apanhada” e “a macaca”, responsáveis
pela expressão coletiva do lúdico, foram perdendo o seu espaço provocando uma
diminuição do contacto com o seu grupo de pares e um aumento do seu sentimento
de solidão.
Com
estas alterações. a televisão, a par com o computador e com os jogos virtuais,
têm-se destacado como as atividades de tempos livros prediletas das crianças e
jovens uma vez que para além de serem bastante cativantes estão disponíveis e
podem ser jogados dentro das paredes de casa. No entanto, o tempo despendido
com estes brinquedos interativos deve ser gerido e supervisionado pelos pais,
para que não se tornem formas lúdicas de cultivar o isolamento, ao tornarem as
crianças cativas dos écrans e dos jogos solitários.
A solidão, pode também estar na base do aparecimento
de sintomas ou quadros depressivos, devendo os pais estar muito atentos a este
tipo de sintomatologia dadas as suas consequências futuras. Quando tal acontece
pode ser necessário recorrer a ajuda especializada.
O lado positivo da solidão
A solidão é descrita, habitualmente, como algo bastante
angustiante e perturbador. Embora a socialização seja fundamental e
preponderante para o crescimento saudável, é de referir que os momentos de
solidão também têm um papel muito importante para o desenvolvimento e
amadurecimento emocional das crianças, (desde que não sejam vividos por ela de
forma extremamente ansiosa), uma vez que lhes permitem experienciar alguns períodos
de individualidade, nos quais se vão tornando mais autónomos e independentes
face aos pais.
Estes momentos permitem-lhe conhecer os seus limites,
gerir o seu espaço individual, criar as suas brincadeiras e explorar o mundo de
uma forma pessoal. Quando se sentem seguras na relação que têm com os seus pais
é mais fácil para as crianças aproveitarem os momentos em que não estão
acompanhadas para “mergulhar” nas suas brincadeiras, sem despoletar nelas um
sentimento de abandono ou de rejeição.
É igualmente importante que os pais respeitem a sua
necessidade de, por vezes, poderem estar a brincar sozinhas, sem que isso
signifique que estão deprimidas ou infelizes. A partir dos 2 anos
de idade, os momentos de solidão podem ser igualmente enriquecedores ao
permitirem às crianças aprender a ter o seu próprio espaço.
Algumas estratégias para superar a solidão:
·
Dinamize momentos de
interação social – um passeio no parque com outras crianças, uma ida ao cinema
com amigos ou um lanche em casa para os coleguinhas da escola são ótimos
momentos de convívio e de fortalecimento das relações interpessoais;
·
Fomente a participação em
atividades de grupo e de equipa – o desporto, os escuteiros ou a música são
alguns dos locais privilegiados para desenvolver o espirito de companheirismo e
a amizade entre crianças e jovens;
·
Estimule as brincadeiras manipuláveis e os jogos de
tabuleiros – estas atividades favorecem o diálogo e o conhecimento das regras
de interação social;
·
Realize jogos de mimica e de expressão corporal com a
criança – de uma forma lúdica e divertida a criança tem espaço para aprender a
comunicar e a expressar-se corporalmente;
·
Valorize o tempo de
qualidade – desligue os aparelhos de comunicação e tire algum tempo para estar
em família, conviver, brincar e conversar. Estes momentos permitem estreitar os
laços familiares e estimular a capacidade de comunicação e de interação entre
os vários elementos da família, dando estratégias à criança para se relacionar
com os demais elementos do seu contexto;
·
Fomente comportamentos
afetivos nos mais diversos momentos, de forma simples e espontânea, através de
gestos ou de palavras – aprender a expressar e a gerir os afetos é essencial
para aprender a relacionar-se de forma mais ajustada;
·
Elogie os comportamentos
positivos e pró sociais em detrimento dos desajustados, a valorização sincera é
uma das melhores formas de estimular a autoestima e fomentar a autoconfiança,
necessárias para o estabelecimento de relações intersociais ajustadas;
·
Esteja
disponível para a criança, demonstrando-lhes que gosta de comunicar e partilhar
os seus assuntos, sem assumir uma atitude crítica e destrutiva – crianças mais
confiantes têm mais facilidade em relacionar-se com outras pessoas.
A
reação dos adultos, em especial a dos pais, é muito importante para que cada
criança aprenda a agir em sociedade visto que eles são, para elas, o modelo a
seguir. Deste modo é fundamental que procurem dar exemplos construtivos de
relações sociais ajustadas permitindo que a criança aprenda e interiorize as
ferramentas mais adequadas para construir relações emocionais saudáveis com as
pessoas com que se irá cruzar ao longo da sua vida.
Escrito para a revista Mãe Ideal (Fev. 2013)
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