As canções de embalar, intimamente
associadas aos primeiros anos de vida de um bebé, constituem um momento lúdico
e único no estabelecimento dos seus vínculos afetivos e na transmissão da
tradição familiar e cultural do meio em que este está inserido.
Cantar para um bebé é um momento mágico
e ternurento, de partilha e troca de cumplicidade. É uma atividade privilegiada
no processo de construção da relação de proximidade entre os pais e o seu bebé,
transmitindo-lhe segurança e conforto enquanto é embalado e acarinhado. As
canções de embalar assumem então um lugar de destaque e um marco no
desenvolvimento de cada criança, não só pela expressão de afetos mas também
porque permitem estimular vários domínios do desenvolvimento infantil de uma
forma cativante e sob um sentimento de proteção.
A canção de embalar, cantada pelos pais
(e/ou adultos mais próximos) proporciona sensações de conforto, proteção e
estabilidade ao bebé. A sua forte
componente afetiva, que a distingue de outras canções infantis
ou populares, influência o crescimento das crianças estimulando-as a um
discurso musicalmente afetuoso.
As melodias cativantes que pautam as
canções de embalar captam a atenção dos bebés ao mesmo
tempo que estimulam o seu movimento e que promovem a sua intimidade com os seus
pais. A linguagem musicada, presente nestas canções, estimula as primeiras
vocalizações do bebé e permite que vá desenvolvendo
capacidades como a afinação, a audição interior, o ritmo e a consciência
fonológica.
As canções de embalar, nomeadamente as
portuguesas, são associadas a um tempo e intensidade baixos e contínuos, com
os ritmos simples e repetidos, levando a que as melodias de embalar privilegiem
o imaginário de grande envolvência e segurança, mostrando-se essenciais para
acalmar, aconchegar e embalar o sono dos bebés. Este género musical tem, como
principal função, a tranquilidade e a indução de sono no bebé. O
seu objetivo principal é criar um ambiente tranquilo e sossegado: o
tom de voz, combinado com ritmo lento (que vai diminuindo à medida que o bebé se
acalma), as estrofes repetitivas acompanhando o movimento de balanço, criam um
ambiente monótono e compassado, que “evoca” o sono.
De acordo com algumas investigações, a
música ocupa um lugar de destaque na estimulação do bebé já em meio
intrauterino – o útero é a sua primeira sala de concertos.
Canções de embalar –
um ponto-chave do desenvolvimento
Os primeiros anos de vida (entre o
nascimento e os dezoito meses) são fundamentais no que toca à estimulação das
potencialidades e do desenvolvimento do bebé uma vez que é neste período que se
constrói a base das suas aprendizagens futuras. É durante os
primeiros anos que o bebé é mais sensível à diversidade dos estímulos do seu
entorno, particularmente aos sons - a música é um estímulo muito completo na
ativação dos circuitos cerebrais.
A música representa uma das tarefas de
estimulação mais completas, permitindo trabalhar o ritmo, a harmonia, a
entoação das palavras (e a consciência fonológica), a articulação do discurso
(sintaxe), a atribuição de significado e emoção às músicas (semântica) bem como
a beleza e simplicidade da melodia. Desta forma, o bebé vai desenvolvendo a sua
acuidade auditiva e linguística.
As músicas, particularmente as canções
de embalar (devido à sua forte envolvência) permitem também que o bebé vá
trabalhando a atenção e concentração, a imitação e reprodução de sons (memória)
e a linguagem. Através da música é ainda possível que o bebé comece a desenvolver
a sua capacidade de autoexpressão, o prazer criativo e o sentido estético. Esta
é também responsável pelo desenvolvimento da coordenação motora e do equilíbrio
físico do bebé, ao levá-lo a acompanhar a música com gestos e mais tarde com
mimicas e danças.
No que diz respeito ao desenvolvimento afetivo, os
estudos têm demonstrado que a música, pelo seu caráter relaxante, pode ajudar a
acalmar os bebés. Durante o embalar, vão sendo criados laços emocionais e o
bebé vai se sentindo seguro e aconchegado pelos seus pais. Estes
momentos ajudam-no a desenvolver um sentimento de segurança e a construir a sua
autoestima e permitem também estimular as interações pessoais entre pais e
filhos.
A canção de embalar desempenha, por isso,
um papel extremamente significativo na primeira infância na medida em que
permite um melhor desenvolvimento cognitivo, afetivo e musical do indivíduo.
Canções de embalar –
uma perspetiva cultural
A prática de embalar um bebé é uma tradição
transversal a inúmeros povos e culturas (sendo visível também em algumas
espécies de primatas) e remonta aos tempos da antiguidade grega, em que estas
eram já uma prática frequente. As suas características específicas conferem-lhe
um caracter intemporal – levando-as a ser transmitidas de geração em geração.
Independentemente
da sua cultura de origem, as canções de embalar, são facilmente
identificáveis como pertencentes a este género musical uma vez que apresentam determinadas
características que as tornam muito peculiares e a mesma função (tranquilizar,
promover o sono e adormecer) nas diversas culturas do mundo.
Este tipo particular de canções
infantis e tradicionais, para além da forte componente emocional, permite
também que a criança vá interiorizando valores da sua cultura através da sua aprendizagem
musical. Desta forma, as canções de embalar têm fortes intenções
didáticas de inculturação, facilitando o processo de integração do bebé na sua sociedade,
introduzindo elementos textuais referentes à vida na comunidade e recorrendo a uma
harmonia de sons, imagens e cores para expressar estas noções.
As musicas de embalar incorporam mensagens
de teor social, psicológico, moral e pedagógico e, durante as cantigas, os
bebés são alertados para perigos, preocupações e por vezes também para medo
infantis, num ambiente protegido - o colo dos seus pais.
As canções de embalar são importantes porque permitem:
- desenvolver
a relação emocional entre o bebé e os pais;
-
partilhar afetos através do movimento e da expressão corporal;
- regular
as emoções e os estados de espirito, tranquilizando pais e bebé;
- reduzir
a ansiedade e aumentar o sentimento de segurança por parte do bebé;
- potenciar
a comunicação e a interação do bebé;
-
melhorar a autoestima;
-
estimular a linguagem, a compreensão, a consciência fonológica;
- treinar a audição;
-
transmitir normas e valores culturais.
Artigo escrito para a revista Mãe Ideal (Maio 2013)