segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Solidão Infantil

Tantos brinquedos e ninguém com quem brincar!...

Um dos maiores problemas sentidos atualmente pelas nossas crianças prende-se com a diminuição do tempo de brincadeira e dos momentos de convívio - as famílias são cada vez menores, as pessoas passam cada vez mais tempo no local de trabalho e o aumento da violência e da criminalidade fizeram diminuir o contacto e os jogos de rua com os vizinhos. Embora os brinquedos de que dispõem sejam mais diversificados e abundantes, as brincadeiras, essenciais para que as crianças se desenvolvam e construam as suas representações mentais sobre o mundo, são cada vez mais vividas de forma individual e solitária.
O ritmo de vida mais agitado a par com a crescente exigência profissional, que tanto caracterizam os meios urbanos, têm levado a maioria das famílias a conviverem muito menos com amigos e familiares. Apesar de estas alterações tenham conduzido a algumas melhorias significativas, os momentos de convívio e interação social (fundamentais para o bem-estar individual) têm vindo a ser descurados, facto que se reflete num aumento generalizado do sentimento de solidão por parte das crianças.
A solidão tem sido vista como uma experiência negativa, caracterizada por um sentimento de isolamento e ausência de interações sociais satisfatórias. Esta condição é fonte de perturbação emocional afetando o funcionamento psicossocial, a saúde e o bem-estar e provocando um sentimento de tristeza generalizada.
Quando sentido e vivido durante a infância, o sentimento de solidão irá repercutir-se ao longo da vida da criança, refletindo-se nas várias relações que irá experienciando. Frequentemente as crianças solitárias tendem a tornar-se adultos tímidos e ansiosos, demonstrando também algumas dificuldades em estabelecer relações empáticas com as pessoas com que se cruzam no seu dia-a-dia.
Um dos fatores que mais condiciona a perceção de solidão das crianças é a relação que estabeleceram com os seus pais – se sentem que têm suporte emocional, conforto e proximidade com os seus progenitores, é muito menos frequente viverem os momentos em que não estão acompanhados de forma angustiante. Por contraponto, quando as crianças sentem que a relação que têm com os seus pais é vivida com ansiedade ou ambivalência, é frequente demonstrarem mais sinais de angustia quando são deixadas sozinhas. Os pais dispõem de menos tempo efetivo para estar com os filhos, responder às suas questões, brincar com eles e mimá-los. Em muitos dos casos, segundo um estudo recente, a média de tempo despendida diariamente pelos nossos pais exclusivamente com os seus filhos é pouco mais de 30 minutos. Sendo estes a sua figura de referência, principalmente durante os primeiros anos de vida, esta ausência esta muito associada a níveis elevados de solidão e tristeza demonstrados por várias crianças e jovens.
A par com as alterações familiares, também a vida citadina modificou as brincadeiras das crianças e a sua relação com os seus amiguinhos. As pessoas passaram a morar em apartamentos ou em casas menores, os jardins diminuíram ou desapareceram e as ruas tornaram-se perigosas. Os jogos sociais ao ar livre tais como “as escondidas”, “a apanhada” e “a macaca”, responsáveis pela expressão coletiva do lúdico, foram perdendo o seu espaço provocando uma diminuição do contacto com o seu grupo de pares e um aumento do seu sentimento de solidão.
Com estas alterações. a televisão, a par com o computador e com os jogos virtuais, têm-se destacado como as atividades de tempos livros prediletas das crianças e jovens uma vez que para além de serem bastante cativantes estão disponíveis e podem ser jogados dentro das paredes de casa. No entanto, o tempo despendido com estes brinquedos interativos deve ser gerido e supervisionado pelos pais, para que não se tornem formas lúdicas de cultivar o isolamento, ao tornarem as crianças cativas dos écrans e dos jogos solitários.
A solidão, pode também estar na base do aparecimento de sintomas ou quadros depressivos, devendo os pais estar muito atentos a este tipo de sintomatologia dadas as suas consequências futuras. Quando tal acontece pode ser necessário recorrer a ajuda especializada.

O lado positivo da solidão
A solidão é descrita, habitualmente, como algo bastante angustiante e perturbador. Embora a socialização seja fundamental e preponderante para o crescimento saudável, é de referir que os momentos de solidão também têm um papel muito importante para o desenvolvimento e amadurecimento emocional das crianças, (desde que não sejam vividos por ela de forma extremamente ansiosa), uma vez que lhes permitem experienciar alguns períodos de individualidade, nos quais se vão tornando mais autónomos e independentes face aos pais.
Estes momentos permitem-lhe conhecer os seus limites, gerir o seu espaço individual, criar as suas brincadeiras e explorar o mundo de uma forma pessoal. Quando se sentem seguras na relação que têm com os seus pais é mais fácil para as crianças aproveitarem os momentos em que não estão acompanhadas para “mergulhar” nas suas brincadeiras, sem despoletar nelas um sentimento de abandono ou de rejeição.
É igualmente importante que os pais respeitem a sua necessidade de, por vezes, poderem estar a brincar sozinhas, sem que isso signifique que estão deprimidas ou infelizes. A partir dos 2 anos de idade, os momentos de solidão podem ser igualmente enriquecedores ao permitirem às crianças aprender a ter o seu próprio espaço.

Algumas estratégias para superar a solidão:
·      Dinamize momentos de interação social – um passeio no parque com outras crianças, uma ida ao cinema com amigos ou um lanche em casa para os coleguinhas da escola são ótimos momentos de convívio e de fortalecimento das relações interpessoais;
·      Fomente a participação em atividades de grupo e de equipa – o desporto, os escuteiros ou a música são alguns dos locais privilegiados para desenvolver o espirito de companheirismo e a amizade entre crianças e jovens;
·      Estimule as brincadeiras manipuláveis e os jogos de tabuleiros – estas atividades favorecem o diálogo e o conhecimento das regras de interação social;
·      Realize jogos de mimica e de expressão corporal com a criança – de uma forma lúdica e divertida a criança tem espaço para aprender a comunicar e a expressar-se corporalmente;
·      Valorize o tempo de qualidade – desligue os aparelhos de comunicação e tire algum tempo para estar em família, conviver, brincar e conversar. Estes momentos permitem estreitar os laços familiares e estimular a capacidade de comunicação e de interação entre os vários elementos da família, dando estratégias à criança para se relacionar com os demais elementos do seu contexto;
·      Fomente comportamentos afetivos nos mais diversos momentos, de forma simples e espontânea, através de gestos ou de palavras – aprender a expressar e a gerir os afetos é essencial para aprender a relacionar-se de forma mais ajustada;
·      Elogie os comportamentos positivos e pró sociais em detrimento dos desajustados, a valorização sincera é uma das melhores formas de estimular a autoestima e fomentar a autoconfiança, necessárias para o estabelecimento de relações intersociais ajustadas;
·      Esteja disponível para a criança, demonstrando-lhes que gosta de comunicar e partilhar os seus assuntos, sem assumir uma atitude crítica e destrutiva – crianças mais confiantes têm mais facilidade em relacionar-se com outras pessoas.


A reação dos adultos, em especial a dos pais, é muito importante para que cada criança aprenda a agir em sociedade visto que eles são, para elas, o modelo a seguir. Deste modo é fundamental que procurem dar exemplos construtivos de relações sociais ajustadas permitindo que a criança aprenda e interiorize as ferramentas mais adequadas para construir relações emocionais saudáveis com as pessoas com que se irá cruzar ao longo da sua vida.

Escrito para a revista Mãe Ideal (Fev. 2013)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Os pais também fazem testes!

A época de testes é, habitualmente, um momento de grande tensão no seio familiar: alteram-se as rotinas, os níveis de ansiedade sobem e as horas passadas em tornos dos manuais escolares aumentam significativamente.
Durante estes períodos, que ocorrem ciclicamente ao longo do ano letivo, cada aluno é sujeito a vários momentos de avaliação tendo que adaptar as suas rotinas e monitorizar o seu esforço e empenho em prol da obtenção de resultados satisfatórios. No entanto é de ressalvar que não é apenas o aluno que altera as suas rotinas nas fases de avaliação, todo o seu entorno é condicionado por este período e influência os resultados obtidos.
Os pais e encarregados de educação, enquanto exemplos e pontos de apoio, têm um papel preponderante nas várias valências da conduta dos filhos, nomeadamente no seu desempenho académico. Neste sentido, o suporte e monitorização do percurso escolar dos seus educandos é essencial: mais do que críticas, sugestões ou conselhos é fundamental que sejam transmitidos modelos assertivos e construtivos (por exemplo, mais do que incitar a um comportamento pouco ansioso nos períodos de avaliação é essencial transmitir-lhes uma postura calma e confiante).
Os modelos comportamentais construtivos devem ser complementados com um discurso otimista e de valorização pessoal, procurando transmitir mensagens de encorajamento (“se te esforçares vais ver que és capaz”) ao invés de mensagens de ameaça (“se não tiveres 80% vais ver o que te acontece”) ou de desânimo (“a continuar assim não vais conseguir de certeza”). Embora o sentido das frases possa ser idêntico, um discurso positivo incita o esforço e a dedicação pessoal e, consequentemente, a persecução de objetivos mais satisfatórios.
O desempenho escolar é ainda condicionado, entre outros fatores, pelo medo de falhar ou de não obter os resultados desejados. Deste modo, é fundamental que os pais alertem para a importância de preparar os momentos de avaliação atempadamente e fomentem um clima de calma e confiança especialmente durante estes períodos.

Ideias para ajudar o seu filho com nos momentos de avaliação…
1.   Acompanhe o dia-a-dia escolar do seu filho, estando a par das lições, dos trabalhos solicitados e dos conteúdos alvo da avaliação – é importante que os estudantes se sintam acompanhados sem se sentirem controlados;
2.   Converse com o seu filho sobre a forma como ele pretende fazer a preparação – mais do que lembrá-lo constantemente de que ele precisa de estudar ou eliminar estímulos distratores (proibir o uso do computador, telemóvel…) é importante consciencializa-lo sobre a importância da preparação antecipada e ajudá-lo a fazer um plano de estudo adequado;
3.   Evite alterações nas rotinas diárias nas alturas de testes – estas poderão funcionar um elemento perturbador e interferir negativamente no estudo;
4.   Na véspera dos testes ofereça, se possível, ajuda na revisão dos conteúdos - por um lado permite-lhe estar a par dos conteúdos alvo de avaliação e, por outro, pode ajudar a que se sinta mais seguro e confiante para realizar a avaliação;
5.   Reforce a importância dos momentos de avaliação enquanto forma de verificação das aprendizagens sem fomentar ansiedade;
6.   Em presença de sinais de ansiedade e mal-estar antes da prova converse com calma, procurando reforçar a sua auto confiança e explicando que embora seja normal algum nervoso, é preciso enfrentar a situação. É muito importante que não se evitem os momentos de avaliação – por muito que possa parecer uma solução a curto prazo, irá fazer aumentar os sinais de ansiedade a longo prazo;
7.   Quando a nota não corresponder às expetativas, é importante procurar conhecer a razão do resultado menos positivo antes de criticar – mais do que apontar o que não está bem é importante identificar o que falhou para que possa ser trabalhado e ultrapassado antes da próxima prova;
8.   Valorize os bons resultados e adote uma postura positiva para que seu filho realmente aprenda com os erros cometidos.http://educarparacrescer.abril.com.br/imagens/entrevistas/canto_4.gifhttp://educarparacrescer.abril.com.br/imagens/entrevistas/canto_2.gifhttp://educarparacrescer.abril.com.br/imagens/entrevistas/canto_3.gif


Uma boa preparação juntamente com uma atitude confiante e tranquila são bons preditores do sucesso escolar e pessoal.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Estudo Online e Aprendizagem

"O principal objetivo de recorrer a jogos e a plataformas de mundo virtual em contexto educativo é tornar a aprendizagem mais eficaz. Para tal há que envolver, motivar e despertar o interesse dos alunos e bem como tornando as aprendizagens claras e relevantes para contextos do mundo real. " (de Freitas; 2007)
O impacto das plataformas de estudo online na promoção das aprendizagens tem vindo a ser alvo de várias investigações científicas, nos últimos anos. Os resultados obtidos têm apontado para uma maior facilidade na aquisição dos conhecimentos quando as aulas são complementadas por atividades realizadas em ambientes virtuais, nomeadamente plataformas de estudo e-learning dado que estas aumentam a motivação e potenciam o desenvolvimento de competências específicas (de Freitas & Oliver, 2006).
A Akademia e o Instituto Superior Técnico, em parceria, desenvolveram um estudo científico com o intuito de verificar o impacto de diferentes plataformas de ensino, na aquisição de conhecimentos e na motivação demonstrada pelos alunos face aos contextos de aprendizagem.
O estudo decorreu ao longo de duas semanas e contemplou 91 dos nossos alunos (selecionados com base na sua disponibilidade) desde o 5º ao 10º ano. Ao longo dos vários dias os alunos assistiram a três aulas (português, matemática e ciências da natureza/biologia) em três contextos de aprendizagem diferentes (aulas presenciais, aulas numa plataforma online e aulas em realidade virtual).
Para além dos testes de conhecimento, feitos com o intuito de verificar a assimilação dos conteúdos lecionados nas aulas, foram também feitos testes de opinião de modo a identificar qual das plataformas ia mais de encontro às preferências dos alunos.
De acordo com os resultados obtidos, não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas ao nível das aprendizagens.
No pós teste, feito imediatamente após a aula, embora a diferença não tenha sido significativa, há que referir que os alunos que frequentaram a classe presencial obtiveram pontuações ligeiramente superiores.
Os resultados obtidos no reteste, realizado uma semana após cada uma das aulas, evidenciaram uma prestação muito mais homogénea, independentemente da plataforma utilizada. Tal facto indica que, ao nível da retenção do conhecimento, as várias plataformas promovem aprendizagens duradouras e estáveis no tempo.
Relativamente ao questionário de interesses, os alunos referiram estar mais envolvidos na aula do mundo virtual, tendo sido esta, na sua perceção, a aula mais divertida e que gostariam de frequentar novamente.
Os dados recolhidos nesta investigação demonstram-nos que o recurso a mundos virtuais pode ser benéfico para melhorar o processo de aprendizagem, potenciando o empenho e a motivação dos alunos face às tarefas em realização.

A presente investigação serviu ainda para a escrita de um capitulo do livro Cases on Digital Game-Based Learning, do qual sou co-autora: Challenges of Introduction Serious Games and Virtual Worlds in Educational Curriculum.

Artigo escrito para o site da Akademia (adaptado)

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Bom dia escola - o (re)começar de um ano lectivo

Quando se aproxima o (re)começar do ano lectivo não é possível deixar de pensar numa série de rituais que lhe são inerentes: há que comprar e encapar cadernos e livros, escolher a mochila e o estojo, organizar canetas, lápis e marcadores… recordam-se antigos colegas e professores e tecem-se considerações sobre o ano que se avizinha.
O dia-a-dia é organizado, (re)criam-se rotinas e estipulam-se horários. A cada ano lectivo que começa, a cada ano de escolaridade transitado, a complexidade e a exigência das matérias a estudar intensificam-se, despoletando um aumento das expectativas em relação ao desempenho dos alunos (Wenz-Gross & cols., 1997) e um crescimento e amadurecimento dos mesmos.
No entanto, o ingresso na vida escolar e as várias mudanças de escola desencadeiam também pequenas situações geradoras de ansiedade, não só nos alunos como também nos seus encarregados de educação, que se reflectem nas dificuldades de integração demonstradas por alguns dos estudantes em transição.
Imaginemos uma criança de 3 anos no seu primeiro dia na pré-escola, que chora compulsivamente com medo que os pais não voltem?
E como reagem os pais ao verem a filha de 9 anos chorar, porque se não ter sido escolhida para brincar no recreio?
Pensemos no rapaz de 10 anos que, com a mudança de ciclo (transição do 4º para o 5º ano), passa de finalista da escola primária a caloiro de uma nova escola e tem que se adaptar às inúmeras disciplinas, leccionadas por vários professores.
Consideremos também a rapariga de 13 anos que sofre o seu primeiro desgosto de amor.
E como regem os pais ao facto do filho querer seguir artes, para vir a ser arquitecto, em vez de seguir economia e poder continuar o negócio da família, tal como o pai tinha planeado?
Estes e outros momentos menos positivos do processo de transição podem ser minimizados, não só no que se refere às dificuldades relacionadas com as aprendizagens escolares como também no que diz respeito a algumas situações-problema decorrentes das interacções pessoais, se promovermos o desenvolvimento de competências pessoais e relacionais e processarmos a mudança de forma faseada e dialogada.
Paralelamente, é também importante fomentar expectativas ajustadas e realistas e valorizar o esforço e o empenho dos filhos, pais e professores na persecução das metas propostas.

Algumas das estratégias que poderão facilitar a transição/recomeço são:
* proporcionar o conhecimento prévio da escola (instalações, serviços e respectivos profissionais, alguns professores, elementos do conselho executivo, auxiliares de acção educativa e alguns alunos);
* analisar a importância do momento de transição e das várias mudanças que esta despoleta;
* organizar o ambiente educativo: motivador e facilitador das experiências que permitem a aprendizagem;
* motivar o aluno para a escola e para as aprendizagens escolares, procurando desenvolver o gosto pela aprendizagem e pela aquisição de conhecimentos;
* dialogar sobre a mudança e as suas implicações;
* reforçar positivamente os comportamentos ajustados;

Que este seja um ano repleto de esforço, empenho e vontade de trabalhar,

Artigo escrito para o site da Akademia (Setembro 2011, adaptado)

Wenz-Gross, M., Siperstein, G. N. Untch, A. S., & Widaman, K. F. (1997). Stress, social support, and adjustment of adolescents in middle school. Journal of Early Adolescence, 17(2), 129-151.






terça-feira, 16 de julho de 2013

Mitos e verdades sobre o cérebro

O cérebro humano vai estabelecendo ligações neuronais ao longo de toda a vida, podendo estas ser potenciadas através de atividades de exercitação e de estimulação cognitiva.

Ao longo dos últimos vinte anos, a pesquisa sobre o cérebro e sobre o seu funcionamento têm sofrido um avanço significativo. Autores como Byrnes e Fox (1998) destacam o impacto que estes avanços têm despoletado no quotidiano, nomeadamente no que toca à estruturação das aprendizagens e à compreensão da dinâmica dos processos de pensamento.
Com o aumento dos conhecimentos neste domínio, o cérebro tem-se tornado tema recorrente em conversas, notícias de revistas e artigos online, permitindo a cada sujeito criar ideias e tecer opiniões relativamente a esta questão. Muito deste conhecimento não é devidamente aprofundado dando lugar a “conceções errôneas” sobre o funcionamento do cérebro que, segundo a OCDE (2003) são classificadas como “neuromitos”. Um “neuromito” pode definido como uma ideia ou opinião que não é fundamentada pelo conhecimento neurocientífico sendo, por isso mesmo, errada (Abimbola & Baba, 1996).
De entre os vários “neuromitos” existentes, há três que se destacam: a existência de períodos críticos, a conceção hemisfério esquerdo vs hemisfério direito e a utilização limitada do cérebro.
O conceito de períodos crítico tem por base a ideia de que a plasticidade cerebral, isto é, o desenvolvimento e a aquisição de competências específicas (como a linguagem e o raciocínio) está limitada aos primeiros anos de idade sendo impossível, adquirir essas competências posteriormente. Contudo, pesquisas contemporâneas defendem a possibilidade dos estímulos ambientais despoletarem novas ligações entre os neurônios e, consequentemente, evidenciam que a plasticidade não é limitada aos primeiros três anos mas que ocorre ao longo de toda a vida, alterando a conceção de “período crítico” para “período sensível” (período em que é mais fácil conquistar certas aprendizagens, sendo possível que essas capacidades sejam desenvolvidas posteriormente).
A ideia de separação funcional do cérebro em hemisfério esquerdo e hemisfério direito, atribuindo a cada um deles um modo de funcionamento próprio com funções específicas separadas tem também sido contraposta. Estudos recentes têm demonstrando que a cognição humana é demasiado complexa para ser controlada por um único hemisfério e que existem redes neuronais em constante comunicação em ambos os hemisférios.
O terceiro “neuromito” prende-se com a limitação do funcionamento da atividade cerebral a 10% do cérebro sem que haja, no entanto, evidências científicas que confirmem este fato – de acordo com os conhecimentos disponíveis, o nosso cérebro funciona a 100%, sendo pouco provável que a evolução permitisse o desperdício de recursos necessários para estruturar um órgão tão ineficiente e apenas parcialmente usado (Beyerstein, 2004).
É ainda de referir, como outro possível “neuromito”, que as lesões cerebrais não são permanentes, isto é, após a existência de um dano cerebral é possível haver recuperação das vias nervosas afetadas, dependendo do local em que ocorre e da severidade da lesão. A explicação deste fato prende-se com a capacidade que o cérebro tem em desenvolver novas conexões, direcionando as funções afetadas para outras áreas saudáveis.
Sintetizando, é de salientar que o treino e a estimulação cognitiva potenciam a plasticidade cerebral, aumentando o êxito dos sujeitos nas várias tarefas e melhorando a eficácia do funcionamento cognitivo (Cartwright, 2001).
- Realize diariamente exercícios divertidos que estimulem as competências cognitivas;
- Faça pequenas pausas para relaxar (10 a 15 minutos) entre as atividades que exigem alto nível de concentração;
- Fomente a leitura diária começando com pequenos textos, que deverão, progressivamente, aumentar em tamanho e em grau de complexidade;
- Incentive a aprendizagem de um instrumento musical ou a realização de atividades desportivas;
- Estimule a realização de atividades de uma forma inovadora e diferente – novos desafios são envolventes

Outras leituras  de referência
Abimbola, I. O., Baba, S. (1996). Misconceptions & alternative conceptions: the role of teachers as filters. The American Biology Teacher, 58(1): 14-19
Cartwright, J. H. (2001). The evolution of brain size. Em, J. H. Cartwright, Evolutionary Explanations of Human Behaviour, pp.119-132. Hove, UK: Routledge.
Beyerstein, B.L (2004). Do we really use only 10% o four brains? Scientific American, 86.
OCDE (2003) Compreendendo o cérebro: rumo a uma nova ciência da aprendizagem. São Paulo, SP:Editora Senac

Artigo escrito para o site Akademia (Janeiro 2012, adapt.)

segunda-feira, 20 de maio de 2013

As primeiras letras

Será que as devemos ensinar em casa ou esperar pela integração das crianças em ambiente escolar?
Hoje em dia, as crianças desenvolvem-se numa sociedade letrada, com meios tecnológicos muito atrativos, que despertam a sua curiosidade e a sua vontade de decifrar letras, desde tenra idade.

As crianças estão em constante crescimento, interagindo com o mundo que as rodeia em busca de novas aprendizagens, desafiadas pela sua curiosidade e pela ânsia de conhecer o contexto do qual fazem parte.
Desde muito novas que o mundo que as circunda está repleto de letras, palavras e frases, fazendo com que convivam com a literacia continuamente, desde o seu nascimento. Paralelamente, a sociedade tecnológica e os brinquedos lúdico-didáticos cada vez mais informatizados, facilitam e incentivam a alfabetização fora da escola, nomeadamente apresentando letras e palavras no decorrer das instruções de funcionamento/de jogo e das atividades a desempenhar. A par com a sua assiduidade e relevância no dia-a-dia, a aquisição do domínio sobre estas duas competências é fundamental dado que se tratam de ferramentas imprescindíveis para que as crianças ampliem as suas possibilidades de entender a realidade e para que conheçam os seus contextos, já que a maioria da informação com que irão contactar lhes será apresentada por escrito.
As crianças vão aprendendo letras e palavras antes mesmo da sua entrada no primeiro ciclo, sendo comum começar a distinguir marcas e a ler pequenas palavras com que se relacionam mais frequentemente. Esta proximidade tem levado as escolas a refletir sobre a idade ideal para a introdução da alfabetização e sobre o tipo de atividades de pré-leitura e pré-escrita que deverão ser desenvolvidas para estimularem e motivarem a aprendizagem destes domínios. Durante este período, mais do que refletir sobre a idade ideal para dar início ao seu processo de alfabetização, é fundamental analisar e cultivar a motivação em interagir com as letras e palavras e procurando decifrá-las sem obrigar as crianças a aprender. Desta forma, é tão contraproducente forçar crianças até aos cinco a ler e escrever como impedir as que estão motivadas de explorar as bases da leitura com receio de que se possa vir a desmotivar mais tardiamente - mais importante do que a idade é a vontade de cada criança de se alfabetizar.
A alfabetização exige um determinado estádio de maturação neuropsicológica e não convém força-las a adquirir uma habilidade para a qual não estão ainda preparadas. Nestes casos o mais adequado será estimulá-las recorrendo a atividades lúdico-didáticas, que as envolvam e as motivem para a aprendizagem destas competências. A leitura e a escrita requerem a maturação de estruturas cerebrais distintas, que implicam ver os símbolos, interpretar as letras, ouvir o seu som correspondente, decifrar o seu significado e organizar a forma como são pronunciadas e que têm de funcionar de forma coordenada. É em idades mais precoces, dada a plasticidade cerebral e o potencial de aprendizagem de cada criança, que se deve dar início ao processo de alfabetização, estimulando de forma lúdica e divertida as competência de pré-leitura e pré-escrita, recorrendo a atividades cuidadosamente pensadas e adequadas, que fomentem o desenvolvimento do vocabulário, da consciência fonológica e do conhecimento das letras.
A leitura é também uma das ferramentas que mais condiciona o seu sucesso uma vez que é a competência base para todos os seus anos escolares – é ao longo dos primeiros anos, a partir das experiências que vivenciam, que as crianças desenvolvem e estruturam as capacidades que usarão como base das suas aprendizagens futuras, nomeadamente no que toca à construção de um percurso escolar de sucesso. Aprender a ler permite à criança aprender a decifrar todos os carateres que vêm impressos nos manuais académicos e, consequentemente, conhecer o mundo e formar-se profissionalmente. Um estudo internacional sobre literacia em crianças e jovens, levado a cabo pela OCDE, evidenciou que Portugal se encontra abaixo das médias europeias dos países desenvolvidos, estando latente no estudo que os conhecimentos e competências neste domínio aquando da entrada para a escolaridade básica são, em muitos dos casos, insuficientes. Segundo o mesmo estudo, estes resultados culminam em elevadas taxas de insucesso e de abandono escolar que poderiam ser minimizados com o desenvolvimento de programas de literacia no jardim-de-infância (mais do que ensinar a ler é fundamental ensinar a gostar de ler). De acordo com o mesmo estudo, as crianças que possuem mais conhecimentos sobre as regras do texto escrito tendem a obter melhores resultados a nível do vocabulário, da consciência fonológica e da identificação de letras, sendo possível estabelecer uma associação positiva entre a qualidade da estimulação pré-escolar e o desenvolvimento de algumas competências de literacia.
Independentemente dos métodos usados na escola, a atuação dos pais é decisiva para as crianças - pais que apreciam ler e escrever e incentivam os seus filhos a gostar estão a contribuir para que estes se tornem leitores de sucesso.
A aprendizagem precoce das primeiras letras tem suscitado alguns mitos relacionados com o tema. O mais frequente prende-se com a possibilidade da criança vir a desmotivar-se no primeiro ano, por já saber ler. Embora isto possa acontecer uma vez que a criança já domina alguns dos conteúdos que estão a ser explorados, é mais desmotivante não conseguir acompanhar as novas aprendizagens e não experimentar a sensação de sucesso (fundamental para a construção da sua autoestima e autoconceito). Cabe ao professor gerir as aprendizagens de cada aluno em ambiente de sala (esta criança pode ficar como tutora de um colega com mais dificuldades, por exemplo) e aos pais continuarem a estimular e a desafiar a criança nesta área específica (através de atividades para realizarem fora do ambiente escolar). Um outro mito prende-se com a possibilidade da criança vir a desenvolver problemas de leitura, no entanto a probabilidade de isto poder vir a acontecer é muito maior em alunos que não tenham adquirido as competências de pré-leitura ao longo dos anos que antecedem a sua entrada no primeiro ciclo.

Estratégias para estimular a aprendizagem da leitura
 - Fomentar o gosto pela leitura, lendo histórias com a criança, em situações diversificadas e usando diferentes materiais (livros de histórias, jornais, revistas, embalagens, textos da internet, bandas desenhadas, sequências de imagens);
- Criar a hora da leitura em família, em que cada um dos elementos dedica algum tempo a ler (seja um livro, uma revista ou o jornal) - a aprendizagem pelo exemplo é a mais significativa;
- Demonstrar a importância das palavras no dia-a-dia, dirigindo a atenção da criança para a observação de situações de escrita no mundo real;
- Estimular a criação de histórias a partir de imagens ou de frases que lhe são ditas;
- Potenciar a consciência fonológica através de jogos de palavras, nomeadamente, pedindo à criança que descubra palavras que comecem ou terminem com o mesmo som, que reproduza lenga-lengas e rimas ou que complete poemas.

A alfabetização é um processo que se inicia desde tenra idade e que se encontra em constante desenvolvimento e construção. É fundamental estimular a criança a contactar com letras e palavras e promover a leitura e a escrita de forma a potenciar o seu gosto pela temática e desenvolver a sua motivação para novas aprendizagens. Por contraponto, se a criança for forçada a aprender, tal facto poderá desmotivá-la e despoletar uma barreira face à escola.
Para ser um leitor bem-sucedido é importante que a criança domine varias convenções, nomeadamente dos conceitos sobre escrita, da consciência fonológica e da identificação de letras, cujo conhecimento parece ser produto de múltiplas experiencias de literacia.
 Artigo publicado na revista Mãe Ideal (Mar, 2013)